Onde estão os vendedores de interrogação?


A democracia e a liberdade expressiva são características da internet no Brasil, o que sem dúvida facilitou a divulgação de conteúdo e tornou acessível o conhecimento, antes disponível apenas a um seleto grupo de acadêmicos. Mas a tão desejada massificação do conhecimento de fato nos tornou mais eruditos? Estamos construindo respostas à partir das interrogações, ou estamos apenas colocando exclamações em qualquer texto que seja do nosso agrado?

A cada dia em que uso a internet e suas as ferramentas tecnológicas, aumenta minha certeza de que o conhecimento técnico perde espaço a passos largos para o senso comum. As informações na rede são produzidas e reproduzidas (em sua maior parte em redes sociais) sem que ninguém em momento algum reflita sobre o que leu, viu ou ouviu: Como? Onde? Por quê? De onde? Quem disse? Sumiram as interrogações.


O conhecimento perdeu espaço para o imediatismo, que absorveu o pensamento reflexivo-crítico e exige a resposta pronta, a resposta para o debate em tempo real. O Google foi promovido de ferramenta a oráculo, pronto a alimentar o senso comum.


Todos têm opinião pronta sobre qualquer aspecto da vida humana: política, medicina, gestão do SUS, treinamento de pets, direito e justiça, física quântica, o melhor desfecho para a série da semana (que se tornará obsoleta no próximo final de semana de maratonas).

O problema é que sumiram as interrogações, e compraram no atacado as exclamações. Precisamos de interrogações, ainda que em doses medicinais, vendidas com os títulos nada atrativos: Isso é de verdade? Isso é absurdo? A fonte, qual é a fonte? Isso traz consequências? Mas certamente não são atrativos, passarei fome como profissional do marketing.  



Leio e ouço muito uma frase clássica e que todo mundo já leu ou ouviu uma vez na vida: “o brasileiro precisa ler mais”, curiosamente, nunca se leu tanto no mundo (você, por exemplo, está lendo esse texto). Acontece que O homem que não lê bons livros não tem nenhuma vantagem sobre o homem que não sabe ler, como já alertava Mark Twain, que por sinal, merece ser lido mais do que as correntes de whatsapp ou os “textões” do facebook, e se por acaso você parar a leitura por aqui para conhecer o Mark eu ganho o dia.  


Mas infelizmente, o mercado das interrogações (ou a cultura do conhecimento) está a enfrentar uma grave crise. Sem interrogações não surgem respostas. A dúvida e o questionamento transformaram e moldaram o homem, e em tempos de tudo pronto no Google, o senso comum pode nos conduzir à barbárie cultural. A lógica do conhecimento exige que a interrogação preceda a exclamação.


Resumir o conhecimento é resumir a vida. Vida não se resume, vida se questiona, experimenta, e se conhece. No mercado das interrogações, a exclamação é o bônus que acompanha a descoberta de que o conhecimento só possui uma serventia: ser transmitido.


Mas não é possível ensinar e transmitir o que não se conhece. Não se ensina por senso comum, não se aprende com o senso comum. O senso comum ensina o medo do fogo, o conhecimento forja o aço.


O novo mercado cultural do “tudo pronto e embalado a vácuo para você”, a exclamação é vendida no atacado e a interrogação por encomenda. Uma pergunta sempre tem uma resposta pronta, fácil e superficial, e outra, fruto da pesquisa, dedicação, estudo. No primeiro caso temos uma opinião, no outro, conhecimento.


Mas e quando até as universidades (assim no minúsculo mesmo) começam a entregar diplomas a "opinadores"? Significa que nossos filhos serão educados pelo senso comum? Não terão contato com o conhecimento e o método científico. Excluídos do mercado das interrogações.


Sem demora veremos (se já não estão vendo por aí) a discriminação do conhecimento, onde aquele que citar autores clássicos ser considerado piegas, pesquisar de verdade, ler bons livros será considerado perda de tempo, afinal, basta uma banda larga e a resposta me será entregue de plano, tempos difíceis para aqueles que recorrem a livros antigos e ao conhecimento científico acumulado para explicar o mundo, os vendedores de interrogação estão sendo demitidos.


E por falar em explicar o mundo, enquanto escrevo me lembro do pensamento de um grande vendedor de interrogações que conheci nos tempos de faculdade (também chamado de Professor): a missão de cada cientista (em sua respectiva área de conhecimento) é responder às questões de seu tempo.



Poderemos explicar o mudo pelo senso comum?



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